Todos os dias surgem novos desenvolvimentos e novas notícias sobre o ChatGPT. Atualmente, é difícil encontrar alguém que não tenha ouvido falar desta ferramenta de Inteligência Artificial (IA) e dos seus usos no meio académico, profissional e até nas redes sociais (e nem sempre pelos melhores motivos). No entanto, se ainda não sabes do que se trata, é basicamente um modelo de IA que interage através do diálogo e foi desenvolvido pela empresa OpenAI, que nasceu em 2015 com o propósito de promover e desenvolver IA que beneficie a vida humana. Mas será que é isso que vai acontecer? Neste artigo, contamos com a opinião do CEO da Dellent, Carlos Dias, para nos ajudar a perceber as formas através das quais esta ferramenta pode mudar não só o mundo, como também o trabalho e os negócios.
Uma das características distintivas do ser humano é o seu comportamento inteligente que provém da sua capacidade de se organizar em sociedade e de comunicar através da linguagem. Há já vários anos que a comunidade científica procura estudar e perceber se algum dia um computador conseguirá apresentar este tipo de comportamento que até agora chamamos de humano.
Em 2015 a Google apresentou o programa DeepMind que conseguia aprender e jogar jogos da Atari e em 2016 surgiram com o AlphaGo que, sozinho, aprendeu a jogar o tradicional e extremamente complexo jogo chinês, Go. No entanto, os esforços continuaram e em 2022, a empresa OpenAI apresentou o ChatGPT. Desde então, o mundo nunca mais foi o mesmo e a popularidade da ferramenta só aumenta, principalmente pelas suas capacidades de produção de conteúdos em texto, vídeo e código. Mas com a popularidade, também surgem as críticas e a controvérsia.
O que é o ChatGPT?
De forma simples, o ChatGPT é uma “language machine” (máquina de linguagem) que utiliza estatísticas, aprendizagem por reforço e índices de palavras e frases, para rapidamente responder a questões, escrever artigos, sintetizar informação e muito mais. Contudo, para alguns especialistas ainda não se pode dizer que é inteligente pois, apesar de saber como utilizar as palavras, não tem um verdadeiro conhecimento sobre o que significam. Este tipo de ferramentas são treinadas, através de programação e reforço, para imitarem estilos de escrita, evitarem certos tipos de conversas e aprenderem com as questões que lhes são colocadas, de modo a aperfeiçoar o tipo de respostas e conteúdos que gerarem no futuro.
Como podem perceber, sendo uma ferramenta capaz de oferecer em segundos respostas aos nossos pedidos e ir melhorando-as a cada interação que fazemos, o seu potencial é enorme. Desde sermos capazes de obter aconselhamento de problemas pessoais e consultoria personalizada (por exemplo, obter um plano de treino ou alimentar pessoal, um roteiro de viagem, um sumário profissional individual ou um conteúdo para uma rede social), até podermos desenvolver um proof of concept para um site ou pequenos programa. O céu é o limite, atualmente. Mas aí é que está o problema também.
Os perigos do ChatGPT
Na sua nova versão, o ChatGPT-4, os criadores procuraram tornar a ferramenta mais segura, precisa e útil, sendo agora capaz de criar textos com estrutura e linguagem similar à humana, criar imagens e gerar código com base em fotografias ou esboços. No entanto, os seus perigos continuam difíceis de contornar.
Alucinações
Gary Marcus, Professor de Psicologia e Neurociência na N.Y.U., alerta para o facto destes sistemas não conterem mecanismos que verifiquem a veracidade da informação que transmitem, podendo assim, ser programados para gerar desinformação numa escala nunca antes vista. Apesar da sua nova versão, a ferramenta ainda tende a inventar alguns factos que, à primeira vista, podem ser interpretados pelos utilizadores humanos menos críticos como verdadeiros, pois não nos é possível saber de onde aquela informação está a ser retirada. A este comportamento que já foi melhorado, mas não eliminado, têm-se dado o nome de "alucinações" da ferramenta.
Para além disso, muita da informação que circula online, como sabemos, é falsa ou pouco precisa, mas o modelo utiliza-a na mesma, pois o seu funcionamento assenta na pesquisa e agregação de informação para apresentar respostas a questões estatisticamente similares a outras que encontra na internet. Nas palavras de Carlos Dias: “Esta é uma questão muito preocupante, pois muita da população mundial ainda não tem sentido crítico para avaliar a veracidade da informação que vê nas redes sociais, o que, muitas vezes, contribui para a proliferação dessa mesma informação (...) A solução que vejo é a população desenvolver um sentido crítico, procurando sempre diversas fontes de informação e fazendo a validação da mesma.”
Adicionalmente, deixa de ser possível dar o devido crédito aos criadores do conteúdo original o que, a longo prazo, poderá refletir-se numa diminuição da informação disponível criada por mentes humanas, que continuará a ser valorizada. “No mundo do trabalho, e com a normalização deste tipo de ferramentas, vai ser valorizada a capacidade de utilização das mesmas por parte do trabalhador. Para além disso, a parte criativa vai continuar a ser uma mais valia. A IA não vai roubar o pensamento criativo, pois cada indivíduo é o resultado de uma história e de uma vida que a máquina nunca vai suplantar.”
Veracidade da informação
Como já referimos, ao utilizarmos somente a informação que o ChatPGT nos oferece, estamos a perder a consciência do seu contexto, ou seja, deixamos de saber quem ou qual entidade se encontra por detrás da mesma e qual a credibilidade que lhe está associada. Quando fazemos uma pergunta ao Google, ele apresenta-nos uma lista de links onde temos grande probabilidade de encontrar a resposta. Ao termos esta lista, podemos comparar diferentes fontes e escolher aquela que nos parece mais credível. Podemos analisar o site onde se encontra, outros artigos e informações disponíveis, conhecer quem escreveu o conteúdo e muito mais. Contudo, se começarmos apenas a utilizar o chat como fonte primária de obtenção de informação, perdemos esta possibilidade de verificar de onde ela está a ser retirada.
Uma outra questão a ter em consideração prende-se com os enviesamentos ideológicos a que a plataforma poderá estar sujeita. Já começam inclusivamente a surgir relatos deste enviesamento em diferentes plataformas de IA. Como é que podemos garantir que as respostas dadas pela ferramenta estão livres de qualquer linha de pensamento, mesmo que não sendo essa a vontade dos seus criadores? Como nos alerta Carlos Dias, “O ChatGPT é financiado por entidades e personalidades muito poderosas, que investem milhões de dólares e, como tal, facilmente podem cair na tentação (se é que já não o fazem) de orientar o produto em função dos seus interesses e ideologias. Por esse motivo a utilização deste tipo de solução deve ser feita de forma crítica e (...) não pode servir para manobrar ou influenciar os nossos pensamentos.” Assim, para um bom uso da ferramenta, o ideal é não confiar cegamente na informação que a mesma oferece, pois não conseguimos comprovar até que ponto é verdadeira e livre de enviesamentos. Pelo menos por enquanto.
Uma outra nota importante que Carlos Dias salienta é a disponibilidade de ferramenta, “(...) atualmente existe uma versão gratuita, mas nada indica que será assim no futuro, o que pode fazer com que só uma parte muito limitada da população tenha acesso à tecnologia.”, aumentando ainda mais a disparidade no acesso à informação na nossa sociedade.
Irá o ChatGPT substituir o talento humano?
Mas o maior impacto que a ferramenta terá e que mais parece preocupar o mundo do trabalho é precisamente os serviços que oferece. Sendo possível obter respostas e conteúdos em segundos, muitos profissionais deixam de ser necessários ou, pelo menos, em tão grande quantidade.
Um relatório produzido pelo McKinsey Global Institute estima que, a nível mundial, entre 400 a 800 milhões de pessoas poderão ficar sem trabalho devido aos avanços na automação até 2030. Isto significa que muitos profissionais terão de aprender novas skills e mudar de categoria profissional para se poderem manter no ativo.
Algumas funções que poderão ficar em risco situam-se dentro de áreas como o IT, comunicação, educação, direito, design, contabilidade e outros, que, naturalmente, deixam alguns profissionais preocupados. Mas se pensarmos bem, esta situação não é algo que o mercado de trabalho nunca tenha experienciado. “Até meados dos anos 80 existia a profissão do datilógrafo que tinha como função transpor para a máquina de escrever, documentos que estavam escritos à mão, textos que eram ditados ou fazer cópias de documentos. No entanto com o aparecimento dos computadores pessoais e a evolução dos processadores de texto a profissão desapareceu, pois passou a ser possível cada um, de forma rápida e ágil, escrever os seus próprios textos (…) Por isso, e como é natural, é possível que o ChatGPT, e outras tecnologias da IA, façam com que determinadas profissões desapareçam ou o número de pessoas que as desempenham dentro de uma empresa, ou projeto, diminuam. No entanto, irá criar oportunidades de crescimento para os profissionais que as saibam usar, pois vão ter capacidade de fazer um trabalho mais rico, mais rápido e com mais qualidade.
Assim, como podemos perceber, as mudanças no mercado de trabalho são constantes e os profissionais que se queiram manter relevantes, terão de continuar a procurar reinventar-se, ganhando a possibilidade de passarem a desempenhar tarefas mais interessantes e criativas, onde possam ter um papel mais ativo. “Para se preparem para a mudança, têm de fazer o mesmo que alguns datilógrafos fizeram: adotar o computador e os processadores de texto, para fazer um trabalho de forma mais rápida e, provavelmente, mais criativa, criando os seus próprios textos.”
Mas estas mudanças ainda levarão algum tempo a se materializar. Para já, os profissionais destas áreas podem aproveitar a ajuda que estas ferramentas oferecem na produtividade e aumentar a sua própria produtividade e desempenho, especialmente em tarefas mais rotineiras que possam facilmente ser automatizadas. Por exemplo, no mundo do IT já existem aplicações que permitem “...validar/melhorar o código desenvolvido (exemplos: DeepCode e CodeGuru), criar testes unitário de forma mais ágil, usar ferramentas para deteção e correção de bugs no código (por exemplo o DeepBug) e até mesmo gerar código baseado no input do programador (como por exemplo o Codex da Open AI). Estas ferramentas vão permitir acelerar o processo de desenvolvimento, diminuir os custos e desenvolver novas features que rapidamente podem ser testadas pelos utilizadores quase em tempo real.”
Estarão os nossos dados pessoais seguros?
Depois da Itália, a própria União Europeia parece começar a preocupar-se com o tema da proteção de dados pessoais nas ferramentas de IA. Se o ChatGPT ou outras ferramentas de IA começarem a ser integradas com aplicações que utilizamos no dia a dia, como no email, videochamadas e até no telefone, onde terão acesso a dados pessoais dos utilizadores, estarão os mesmos em risco?
Bom, a verdade é que os nossos dados já se encontram à disposição de muitas empresas privadas que muitas vezes não seguem as melhores práticas como temos vindo a tomar conhecimento. Aqui a diferença será a sua integração numa única ferramenta e empresa. “Com estas novas tecnologias essa partilha ainda vai ser mais ágil e integrada. Por este motivo é importante que os estados definam leis que avaliem este tipo de questão e as pessoas devem ter mais formação na utilização da tecnologia.” E muitos já são os alertas que se ouvem, inclusivamente nos USA, relativamente a este perigo real. Para muitos especialistas, é como se as empresas de IA estivessem a criar carros de corrida sem cintos de segurança, pois estão a disponibilizar ferramentas altamente perigosas, sem se assegurar que incluem mecanismos de proteção para os seus utilizadores.
O futuro do trabalho no mundo da Inteligência Artificial
Nos últimos anos o mundo mostrou-nos como a sua mudança pode ser rápida e súbita e nem sempre espera que estejamos preparados para ela. No mundo do trabalho as coisas não são muito diferentes. O desenvolvimento da IA irá continuar a trazer disrupção para o mercado, como muitas outras inovações o fizeram anteriormente.
Assim, cabe-nos a nós sabermos tirar o maior partido possível das mesmas e continuarmos a estudar para podermos tornar-nos melhores profissionais e criarmos um mercado de trabalho onde cada um possa ter um contributo cada vez mais relevante. “Comecei a trabalhar na área de IT em 1999 e, nessa altura, não conseguia imaginar a forma como trabalhamos hoje em dia. O acesso à internet era muito limitado, não existiam smartphones e o trabalho remoto global como o conhecemos hoje era impensável. Muita coisa mudou, os processos de desenvolvimento de software são mais ágeis, conseguimos fazer mais com menos, e a informação está ao alcance de todos, mas infelizmente nem todos têm a capacidade de usufruir de forma útil desse conhecimento. Não consigo prever o que será o mundo do trabalho daqui a 30 anos, mas uma coisa é certa, a atenção ao detalhe, o brio profissional, a capacidade de acompanhar a mudança dos processos de trabalho e do mindset da sociedade, o conseguir acompanhar a evolução técnica e a capacidade de gerir a informação e ter sentido crítico sobre a mesma são fundamentais para o sucesso profissional! Tal como neste momento a maior parte da população não consegue fazer uma conta simples de dividir e multiplicar ou um programador fazer o seu trabalho sem acesso à internet, no futuro a atividade humana vai ser ainda mais acompanhada pela tecnologia… talvez o programador do futuro seja como o operário de uma linha de produção, que vai validar o software produzido pela máquina!”
Mas a adaptação não deverá ser só do lado dos trabalhadores. Também as empresas podem começar a aproveitar esta onda de mudança e a introduzir novas funcionalidades aos seus produtos com recurso a ferramentas de IA para se manterem competitivas. Por exemplo, “No caso da Dellent vemos esta tecnologia como muito relevante para atividades de apoio aos consultores (esclarecimento de dúvidas, resolução automática de problemas ou criação de planos de carreira personalizados), nas atividades de recrutamento e seleção (identificação mais “accurate” dos candidatos em função das necessidades do projeto), apoio aos candidatos (esclarecimento de dúvidas, proposta de projetos em função dos seus interesses e conhecimentos), e mesmo dos clientes. O Portal do Colaborador que está atualmente a ser implementado já tem prevista a utilização de tecnologias de IA para apoiar o colaborador no esclarecimento de dúvidas e agilizar tarefas mais operacionais.”