Uma experiência realizada com empresas do UK sobre a semana de trabalho de 4 dias mostrou que, no final do estudo, os colaboradores reportaram melhorias na qualidade do sono, níveis de stress, vida pessoal e saúde mental enquanto as empresas mantiveram os seus retornos normais. Contudo, nem todos concordam que este será o futuro do trabalho, pois nem todos os profissionais poderão beneficiar destes benefícios e os níveis de produtividade poderão baixar após um período maior de ajuste. E em Portugal? Será que as empresas que entraram numa experiência similar apresentarão os mesmos resultados?
Recentemente fizemos um questionário na nossa página do Linkedin onde perguntámos aos nossos seguidores o que achavam da semana de trabalho de 4 dias. Cerca de 60% respondeu que era revolucionário, no entanto cerca de 30% mostraram reservas na sua aplicabilidade e distribuição em termos de setores. Esta diversidade de opiniões é um bom reflexo daquilo que se sente atualmente. Enquanto muitos mal podem esperar que esta realidade chegue, outros mostram-se mais cépticos quanto à sua aplicabilidade e às mudanças que trará para o mundo do trabalho.
A nova cultura de trabalho
Com a entrada das novas gerações no mercado de trabalho, a cultura de trabalho tem mudado a favor de uma maior flexibilidade laboral. A primeira grande alteração, impulsionada pela pandemia, foi a adoção dos modelos de trabalho híbrido e remoto. No entanto, a semana de 4 dias parece estar a ganhar terreno e os primeiros estudos começam a sugerir que poderá ser uma opção não só valorizada pelos colaboradores, como válida economicamente para as empresas.
Apesar de agora se começarem a fazer os primeiros testes, esta não é uma ideia nova. Já em 2019 muitas empresas europeias testavam o corte às horas de trabalho como forma de reduzir o burnout e tornar os seus colaboradores mais felizes, produtivos e comprometidos com as organizações. Em França, por exemplo, o horário de trabalho já se encontra nas 35 horas semanais há mais de 20 anos como forma de melhorar o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. No entanto, também existe quem defenda que este corte poderá colocar a competitividade das empresas francesas em risco.
Os benefícios da semana de 4 dias
Um estudo recente conduzido no UK que contou com a participação de 61 empresas e 2500 trabalhadores de diferentes setores e indústrias que adotaram este modelo de trabalho entre junho e dezembro de 2022, demonstrou que o mesmo:
Reduziu o stress e o burnout: os colaboradores indicaram sentir-se menos stressados e sobrecarregados pelo trabalho, conseguindo gerir melhor as suas tarefas e carga de trabalho. Como sabemos, o stress contribui para a degradação da saúde mental que também pode ter repercussões na saúde física.
Não diminuiu a produtividade: a maioria das empresas que participaram nesta experiência indicou que a produtividade e desempenho das equipas não piorou e 23 delas mostraram que os seus resultados financeiros mantiveram-se fortes durante os seis meses do estudo. Este ponto suporta a ideia de que muitas vezes o trabalho estica de modo a preencher as horas disponíveis para a sua conclusão. Menos tempo para realizar tarefas poderá levar a maior concentração e foco na sua concretização.
Aumentou a felicidade dos trabalhadores: do ponto de vista dos colaboradores, ter menos pressão resultante do trabalho e maior tempo livre para descansar e recarregar baterias, resultou num aumento dos sentimentos de felicidade geral. Estes indicaram ainda conseguir concentrar-se melhor e ter mais energia para fechar as tarefas pendentes. Adicionalmente, salientou-se um aspeto positivo em relação às mulheres que conseguiram diminuir o burnout, aumentar a satisfação com o trabalho, melhorar a saúde mental e reduzir o tempo nos transportes. Para os homens, o tempo adicional permitiu estarem mais presentes na vida conjugal e dos filhos.
É importante referir que este estudo funcionou num modelo de 100-80-100, ou seja, os colaboradores destas empresas recebiam 100% do salário por trabalharem 80% do tempo, mas cumprindo com 100% das suas tarefas normais.
Mas será que é viável implementar este modelo de 4 dias de trabalho?
Adicionalmente, nota referir que este estudo foi conduzido pela instituição sem fins lucrativos 4 Day Week Global, criada por Andrew Barnes e Charlotte Lockhart para ligar pessoas que já apoiam este modelo de trabalho. Neste sentido, o seu intuito passa por mostrar o lado positivo deste modelo e conduzir à sua adoção generalizada.
No entanto, as mudanças no horário de trabalho também não são recentes. Em 1914, Henry Ford revolucionou a indústria ao diminuir o horário de trabalho dos seus trabalhadores de 9h para 8h diárias, aumentar o salário e passar de 6 para 5 dias de trabalho semanal. Com a evolução da tecnologia e a transformação digital, esperava-se que estes 5 dias passassem para 4 ou até 3 rapidamente. Contudo, a cultura de trabalho não acompanhou esta evolução.
Agora, a redução do horário de trabalho parece ser novamente a solução para melhorar os níveis de burnout e resolver o fenómeno da “Grande Renúncia”. Contudo, também é verdade que este estudo teve algumas limitações como o facto de apenas cobrir um período de seis meses, pelo que num espaço de tempo maior, a produtividade poderá sofrer alterações que ainda não foram estudadas. As empresas que entraram na experiência tinham, na sua maioria, uma estrutura mais pequena (66% possuíam 25 ou menos colaboradores) e uma maior abertura para soluções de trabalho flexíveis.
Os cépticos desta modalidade de trabalho, apontam que a mesma, apesar de beneficiar alguns trabalhadores, não conseguirá chegar a todos da mesma forma, principalmente em setores que se vêem confrontados com falta de profissionais como a saúde e a educação. Para além disso, alguns profissionais parecem não se preocupar com trabalhar mais e receberem também mais por essas horas extra.
Qual a realidade do trabalho em Portugal?
E em Portugal, poderemos vir a adoptar a semana de 4 dias de trabalho? Bom, por cá já existe um programa-piloto financiado pelo Instituto do Emprego e da Formação Profissional (IEFP) que arranca este ano com vista a testar se será ou não um modelo viável para a nossa realidade laboral. Neste estudo, as entidades públicas e privadas que se inscreverem serão avaliadas quanto à sua produtividade e custos, e os seus colaboradores quanto à sua saúde e bem-estar.
No entanto, o coordenador do projeto, Pedro Gomes, professor em Birkbeck, Universidade de Londres indicou que a semana de quatro dias ainda tem um longo caminho a percorrer em Portugal, mas que este é o primeiro passo nesta caminhada que ainda tem vários anos pela frente.
Enquanto a semana de 4 dias de trabalho ainda não chega a Portugal, quem procura maior flexibilidade laboral, pode sempre continuar a apostar em projetos que adotam as modalidades de trabalho híbrido e remoto.