Por que é que as empresas querem tanto que voltes ao escritório?

Fotografia de Marina Pinho
Escrito por

Marina Pinho

Communication Manager

Recentemente a empresa Zoom, que “salvou” literalmente várias empresas durante a era da pandemia, e cujo produto ajuda os seus clientes a trabalharem remotamente, decidiu voltar a chamar os seus funcionários para trabalharem no escritório. Esta mudança tem um caráter algo simbólico, pois anuncia a mudança de paradigma no que toca à adoção do trabalho remoto. Até aqui visto como fruto da pandemia, esta modalidade que foi largamente adotada pelas empresas a nível internacional, parece estar a recuar e dar lugar ao trabalho híbrido e presencial novamente. 

Muitos profissionais não parecem estar muito contentes com esta mudança e a verdade é que alguma resistência é natural. Mas por que é que as empresas pretendem voltar ao escritório novamente? Será esta medida prejudicial para os seus colaboradores?

Neste artigo respondemos a estas mesmas questões, explorando ainda quais são as vantagens e desvantagens do trabalho remoto e que estratégias tanto as empresas como os colaboradores podem adotar quando o tema não é consensual. 

A atração do trabalho remoto

Não há dúvida que trabalhar a partir de casa (a forma mais comum de trabalho remoto) traz muitas vantagens, não só a nível individual, como também organizacional. 

Um dos maiores benefícios para os trabalhadores é a diminuição do tempo e do dinheiro gasto em viagens, logo seguido pela proximidade da família. Para além disso, nos dias que correm, o trabalho remoto permite ainda que os profissionais possam optar por viver mais afastados do trabalho, em zonas mais interiores onde podem encontrar mais qualidade de vida. 

Muitas pessoas relatam ainda sentir-se mais produtivas em casa, onde se encontram livres das distrações que podem encontrar no escritório que na sua maioria são open space. A integração entre a vida profissional e pessoal também parece ser mais vincado nos trabalhadores que têm a opção de trabalhar a partir de casa, já que podem no intervalo das suas tarefas profissionais encaixar algumas tarefas domésticas ou familiares. 

trabalho remoto

Todos estes benefícios trazem uma maior sensação de felicidade para os trabalhadores que preferem este tipo de modalidade de trabalho e têm a possibilidade de a praticar. No entanto, quando as empresas começam a tomar a decisão de pedir aos seus colaboradores para voltarem para o escritório, nem que sejam apenas alguns dias por semana, os trabalhadores tendem a assumir que as razões são meramente focadas em benefícios da própria empresa ou de determinados managers. Mas as empresas também beneficiam do trabalho remoto. Vejamos. 

Uma empresa que adote a modalidade de teletrabalho a 100% deixa de precisar de um espaço físico, o que permite reduzir essa despesa que não será leve. Deixa ainda de apenas poder contratar profissionais que se encontrem próximos da sua localização ou mesmo no seu país, e pode facilmente contratar pessoas com base nas suas skills técnicas.  

Adicionalmente, muitos profissionais ao trabalharem a partir de casa acabam por deixar de conseguir colocar uma separação clara entre os tempos de trabalho e de vida pessoal, trabalhando mais horas do que no período pré-pandemia. Ora esta situação traduz-se num aumento de produtividade para as empresas que é bastante valorizado, no entanto começa a deixar de ser uma vantagem para o trabalhador que acaba por sentir que tem de estar disponível 24h por dia. 

A resistência ao retorno ao escritório

Com todos os benefícios que o trabalho remoto proporciona, é natural que os trabalhadores sintam uma certa resistência em mudar o padrão. Contudo é fundamental que percebam as razões que levam as empresas a adotar quer o trabalho híbrido quer o presencial. 

Claro que nem todas as organizações tomam a decisão somente com base no bem estar dos seus colaboradores (infelizmente), mas é certo que este objetivo também está por trás desta medida em muitos casos. 

Apesar dos benefícios que as empresas sentem ao adotar o trabalho remoto, também acabam por registar algumas desvantagens que a longo prazo parecem estar a afetar os seus trabalhadores e o seu sentido de pertença. É muito mais complicado conseguir integrar novos membros nas equipas quando estão em modo remoto e principalmente com desfasamento de horários. A comunicação eficaz já é uma das maiores dificuldades da liderança e quando não há nenhum tipo de convívio presencial, ainda se torna mais complicado gerir (já para não falar quando são culturas completamente diferentes). 

Claro que existem várias estratégias para gerir esta situação, mas uma delas poderá ser implementar maior convívio presencial entre membros das equipas e parece que as empresas estão a ir por este caminho.

É do interesse dos managers reterem os seus melhores talentos nas equipas a longo prazo e isso passa por cultivar um sentido de pertença e de equipa que é mais palpável quando as pessoas convivem diariamente e podem verdadeiramente conhecer os seus colegas. Existem sempre pistas sociais que apenas conseguimos perceber presencialmente. 

Esta é a lógica por detrás de muitas decisões que se materializam num recuo face à adoção do trabalho 100% remoto e não só naquilo que comumente se pensa ser: o facto de não existir confiança entre os managers e os membros das suas equipas. 

Porquê voltar ao escritório?

Ora, se ficar 100% em teletrabalho deixou de ser uma opção para ti, é normal que te sintas desconfortável com a mudança, mas poderá ser benéfico refletires sobre alguns dos benefícios que o trabalho presencial te trazia enquanto profissional.  

Cultura 

Começar um novo trabalho numa nova empresa por si só já não é fácil, mas começar remotamente é outro desafio. Quando estamos no escritório conseguimos observar o que se passa à nossa volta e as interações que existem tanto entre colegas como entre estes e o seu trabalho. Conseguimos tirar dúvidas rapidamente e perceber quando não devemos incomodar alguém. Para além disso, absorvemos naturalmente a cultura da empresa, aquilo que é aceitável e aquilo que é visto com maus olhos. Percebemos as dinâmicas nas relações e os grupos que existem. 

Esta situação é particularmente desafiante para os recém licenciados que chegam pela primeira vez ao mercado de trabalho, pois estão a aprender tudo pela primeira vez, seja as skills técnicas do seu trabalho ou o modo como devem agir no meio corporativo. É por esta razão que tantos novos profissionais têm sentido dificuldade em integrar-se no mundo do trabalho e, por sua vez, os managers sentido dificuldade em compreender a nova geração e integrá-la. 

Para os profissionais que já se encontram nas empresas, também existe o risco de os laços entre membros das equipas se esbaterem com o trabalho 100% remoto. Quando não conhecemos bem uma pessoa, é fácil interpretar negativamente determinados comportamentos ou modos de estar que não compreendemos, o que a longo prazo cria tensões e problemas mais graves. 

onboarding - homens num café a conversar e com um computador ao colo

Colaboração 

Já ouviste falar das conversas “junto à máquina de café”? Pois é, são aquelas conversas que acontecem espontaneamente e de forma casual, mas que são fundamentais na partilha de informação ao longo da organização. Quando as equipas estão 100% remotas, todas as conversas acabam por ser “agendadas” e perdem um pouco da sua espontaneidade ou são feitas via texto o que também não transmite toda a riqueza da comunicação "cara a cara". 

Quando os membros das equipas estão juntos, há maior probabilidade de existirem momentos leves de conversa que podem inclusive fazer avançar determinados projetos.

Estando no escritório, tens a possibilidade de rapidamente esclarecer aquela pequena dúvida que tens sobre um determinado assunto ou de ajudar um colega que percebes estar com dificuldades sem que ele tenha de te pedir ajuda.

O mesmo acontece com os líderes, ao estarem junto das suas equipas, conseguem mais rapidamente perceber quando existe algum membro que está a ter dificuldades num determinado assunto e intervir mais rapidamente. O inverso é também verdade, podem aperceber-se de que o desempenho de determinada pessoa é melhor do que o consideravam, pois não tomam só em consideração o resultado das tarefas, mas também a qualidade com que são executadas. Para além disso conseguem compreender melhor o impacto que cada membro têm na sua equipa, proporcionando uma perceção mais correta do funcionamento da mesma, para o bom ou para o mau.

No momento, podem parecer interações irrelevantes, mas de um modo geral têm um impacto positivo tanto na tua experiência profissional como na empresa como um todo. 

Propósito

Um dos fatores que os líderes mais se queixam do trabalho remoto é a perda do sentido de pertença que vem com a partilha de um objetivo comum. Este sentido de missão é o que dá propósito aos profissionais e os faz sentir motivados para levar os projetos a bom porto. Quando as pessoas se sentem envolvidas com a missão da organização, a sua satisfação geral com o trabalho também cresce.

Para além disso, quando observamos a motivação e o empenho de quem está à nossa volta, temos mais probabilidade de ser contagiados por este espírito e melhorarmos o nosso prórpio desempenho. Costuma-se dizer que as nossas companhias dizem muito sobre nós, não é verdade? Se queres ser bom, junta-te aos bons. 

Todas estas vantagens do contacto presencial acabam por ser benefícios a longo prazo que se sentem no desenvolver dos projetos. Já os benefícios do trabalho remoto que falámos anteriormente, tendem a ser sentidos no imediato e isso é uma das razões que leva a que tantos profissionais se sintam resistentes a voltar ao escritório.

Contudo, o retorno ao escritório também deverá ter em consideração estes benefícios para os seus colaboradores. Ou seja, se não for para estimular esta socialização entre trabalhadores, porquê criar uma guerra com os mesmos? É importante que os líderes estejam também abertos a perceber a perspectiva dos seus colaboradores e a procurarem criar um canal de comunicação aberto entre todos para que estes se sintam envolvidos na decisão e a consigam aceitar mais facilmente.  

Estratégias para uma equipas e líderes em transição 

Se fazes parte de uma equipa em transição, começa por refletir sobre os benefícios de voltares ao escritório, que provavelmente apenas irás sentir a longo prazo. Vais poder tornar a contactar com os colegas de trabalho, fortalecer relações sociais e a ter uma maior separação entre a vida profissional e pessoal. 

Lembra-te ainda que o período de adaptação poderá demorar algum tempo, por isso sê paciente contigo e com os teus colegas. Ter uma comunicação aberta com a tua chefia também é importante. Partilha o que sentes e procura encontrar, em conjunto, a solução que melhor se adequa à tua situação. Se te preocupa voltar ao escritório de repente, verifica a abertura por parte da empresa para começares por ir um dia por semana e ir aumentando ao longo do tempo. 

Se és um líder que sente que voltar ao escritório é a melhor solução para a tua equipa, começa por ser transparente. Quando as decisões de negócio afetam diretamente as necessidades dos trabalhadores, é importante que estes sintam que as suas chefias se preocupam com o seu bem estar e com as suas opiniões. Assim, procura envolver os membros das tuas equipas nesta decisão, esclarecendo todas as dúvidas e informando claramente quais serão os moldes da nova modalidade de trabalho. 

Uma transição por fases poderá ser a melhor abordagem principalmente para aqueles profissionais que têm em casa crianças pequenas. E não te esqueças, uma comunicação aberta é sempre o mais importante. 

Por fim, pondera o modelo híbrido pois é aquele que acaba por agregar maior consenso entre equipas e managers. Acaba por ser o melhor dos dois mundos, já que é possível obter os benefícios do trabalho presencial no que toca ao convívio e socialização e proporcionar maior flexibilidade e liberdade aos profissionais. 

Em Portugal, o regime híbrido já é o mais adotado pelas empresas que oferecem esta flexibilidade (que é o caso da maioria das tecnológicas). Do total de pessoas que se encontram a trabalhar atualmente, 19,3% fazem-no em casa, sendo que: 34,4% é em regime híbrido (estando uma média de 3 dias por semana em casa); 25,9% em modo remoto; e 14,8% apenas vão pontualmente ao escritório. 

Explora mais conteúdos sobre liderança, carreira e produtividade no nosso podcast: